Residência em Taipa – Byron Bay, NSW

Olá! Bem, o ano está quase acabando…. porem… alguém sabe se ja começou? Risos!

Sim, tem sido um ano tão estranho ne? Muitas mudanças, muitas restrições, muita polarização…Eu sei que já estamos todos cansados ​​disso tudo. Todos esperamos que 2021 traga mais união e compreensão e, acima de tudo, a verdade!

Entretanto, talvez estejamos também passando por mudanças mais profundas de comportamento na sociedade, apesar de tudo. O mundo que conhecemos mudou imensamente no último século, e podemos observar um ambiente mais aberto, inclusivo e diverso em muitas sociedades diferentes, embora ainda seja doloroso lidar com as diferenças nos dias de hoje. As mulheres conquistaram mais espaço e independência, e muitos outros grupos de “minorias” também se tornaram mais visíveis. Alguns podem afirmar que todas essas mudanças tenham acontecido por causa do início da “Era de Aquário” na década de 1970. Porém, considerando que não sou um especialista no assunto, não me prolongaria em continuar a discutir o assunto, embora seja muito interessada.

Porem, uma coisa eu sei. O mundo em geral esta um pouco mais “feminino”, ainda que muita gente (de todos os gêneros possíveis) se confunda com a ideia por ser tão difícil quebrar velhos padrões e formas de pensar. O modo de capitalismo selvagem e desequilibrado em que vivemos imersos em sua filosofia competitiva se mostrou destrutivo e até mesmo inútil em algumas circunstâncias limitantes, como uma situação de “pandemia”. Este próprio mundo “masculino”, como estamos acostumados, também não se encontra bem conectado à fonte primária da vida, a “mãe natureza”. Assim, sentimentos, emoções, intuição e amor são vistos como características femininas “fracas” que devem ser reprimidas. Eu acho que o objetivo não deveria ser cancelar um ou outro, mas tentar equilibrar as duas energias complementares, que por sinal não têm nada a ver com definições de gênero. No entanto, esse é um tópico vasto que requer longas dissertações.

A arquitetura, assim como todas as outras áreas das ciências sociais, foi afetada por essa forma de pensar que se reflete nos projetos gerados. A maior parte da arquitetura que temos hoje em nossas cidades contemporâneas foi construída após a revolução industrial, que trouxe o capitalismo e sua forma muito racional de pensar para nossos ambientes construídos. Os edifícios eram então vistos como “máquinas de morar”. A natureza foi então deixada de lado e os novos materiais revolucionários, como concreto, aço, vidros e alumínio foram amplamente incorporados no internacionalizado estilo arquitetônico modernista por volta da década de 1920 e que ainda desempenha um grande papel na arquitetura contemporânea, das partes ocidental e oriental do mundo.

A Austrália é famosa mundialmente por ter iniciado o movimento da “Permacultura no mundo ocidental. A “Permacultura” é centrada no pensamento sistêmico completo, em outras palavras, é uma forma mais holística de projetar e construir coisas para o uso humano. Poderia então ser considerada uma abordagem técnica que leva em consideração qualidades femininas, como conexão com o todo, integração e amor pela terra. Felizmente, esse movimento ganhou impulso recentemente e observamos o surgimento de belos arquitetos que se esforçam para trazer a teoria à realidade.

Por esse motivo, decidi entrevistar a arquiteta brasileira Thais Pupio, que há quase 10 anos desenvolve um trabalho incrível na região de New South Wales, Austrália, como Building Designer. Thais graduou-se como Bacharel em Arquitetura no Brasil e é natural de São José dos Campos, São Paulo. Mudou-se para a Austrália em 2008 com o sonho de aprofundar seus conhecimentos em Arquitetura Sustentável e ficou no país desde então. A entrevista completa, intercalada com algumas imagens de um de seus projetos deslumbrantes (a “Residencia em Taipa” situada em Byron Bay, NSW), é encontrada na sequência. Eu realmente espero que vocês gostem. Desejo a todos boas festas e mais energia feminina em suas vidas! 😉

Área da cozinha na “Residência em Taipa”. Fonte: Galeria da arquiteta. Imagem por: Michael Nicholson.

1 – Thais, quando e por que você veio morar na Austrália?

Mudei-me para a Austrália em outubro de 2008. Escolhi a Austrália com a perspectiva de poder combinar um estilo de vida saudável, longe das grandes cidades, com o trabalho. Como um país relativamente novo e famoso pela “Permacultura“, vi a possibilidade de expandir minha carreira na arquitetura com uma abordagem mais sustentável.

2 – Você é uma profissional registrada na Austrália? Como foi esse processo de atuação profissional na construção civil daqui?

Eu não fiz o processo de registro ainda. Em 2012 concluí um Diploma de Design de Construção no TAFE que me deu uma base no contexto australiano de construção, documentação, etc., e juntei meus estudos e experiências como arquiteta graduada no Brasil, permitindo-me trabalhar com design e documentação arquitetônica em NSW (cada estado varia os requisitos para a necessidade de trabalhar com licença como Construtor) até conseguir o meu registo, o que pode ser um processo longo para alguns.

3 – Como é trabalhar com construção sustentável no Brasil e na Austrália? Quais são as principais diferenças?

Não tive muita experiência com projetos próprios em arquitetura sustentável no Brasil, apenas participei de cursos etc. Na Austrália, os fatores que contribuem para um projeto ser sustentável são muito comuns e generalizados, alguns às vezes são obrigatórios ou altamente incentivados pelos governos locais como o uso de reservatório de água de chuva, painéis solares e documentação exigida de profissionais para comprovar que foram considerados os aspectos naturais do terreno, sombreamento de casas vizinhas, etc. No Brasil, a coleta de agua de chuva ou o uso de painéis solares nos projetos, por exemplo, principalmente nas cidades, ainda são raros. O uso de materiais naturais, por outro lado, parece ser mais explorado no Brasil, técnicas de ‘bioconstrucao’ por exemplo são muito mais utilizadas no Brasil do que na Austrália.

Arquitetura em equilibrio com o ambiente com ventilação cruzada e luz natural sendo priorizada na “Residência em Taipa. Fonte: Galeria da arquiteta. Imagem por: Michael Nicholson.

4 – Todos os seus projetos possuem essa abordagem de sustentabilidade?

O termo “sustentável” na minha opinião é quase uma questão de bom senso e responsabilidade nos dias de hoje, apesar de ser um termo complexo e amplo a meu ver. Não querendo defini-lo, mas talvez visando um estado de equilíbrio, o “sustentável” aproxima-se do que vejo como a busca de um estado de equilíbrio. A arquitetura ecológica por exemplo é um dos principais pilares da sustentabilidade, mas ao mesmo tempo deve ser socialmente sustentável (no caso das pessoas que vão ocupar o lugar, os efeitos na comunidade local, vizinhos, etc.). Em todos os meus projetos procuro incorporar todos os elementos das condições ambientais, econômicas e sociais de forma integrada. Definitivamente, meus projetos têm ênfase em técnicas passivas de design e construção como ponto de partida, preocupação em como o projeto se encaixa no meio ambiente, como podemos causar menos impacto usando o máximo de materiais locais, não tóxicos, etc. Como profissional, eu vejo-me no dever de alertar os meus clientes sobre as consequências das suas escolhas, quer no seu impacto no ambiente e consequentemente na sua própria saúde, uma casa “saudável” contribui para uma vida saudável.

5 – Como você vê o futuro da Arquitetura Sustentável na Austrália e no mundo?

Em geral me sinto otimista. Acho que mais pessoas estão considerando o impacto de suas escolhas diariamente e isso inclui o uso de materiais não tóxicos e um bom processo de design, por exemplo. Em um sentido mais amplo, vejo a importância de pensarmos e discutirmos sobre a arquitetura como uma expressão de nossos valores e nossas visões e que naturalmente exigirá um trabalho interno como humanos, em nível emocional e espiritual que, espero, se reflita na evolução de uma arquitetura que cause menos impacto no ambiente natural, talvez pudesse começar com uma compreensão do quanto fazemos parte da natureza, de como estamos ligados a ela. Espero que possamos combinar tecnologia e conhecimento ancestral e vernáculo de maneira harmoniosa, hoje temos acesso a muitas informações, acho importante honrar o saber ancestral e incorporar qualidades femininas, como intuição, conexão e empatia. Qualidades holísticas que trazem um maior equilíbrio no mundo arquitetônico que por muito tempo foi dominado por discussões sobre fatos, pragmatismos e interesses individuais em um ambiente patriarcal que deixou de lado essa visão mais holística de projetar, construir e ocupar.

Sala de estar com forro e marcenaria em madeira reciclada na “Residência em Taipa”. Fonte: galeria da arquiteta. Imagem por: Michael Nicholson.

6 – Quais são os maiores obstáculos para criar construções com abordagem sustentável hoje?

Acredito que diferentes locais enfrentam diferentes desafios. Na Austrália, sinto que os códigos governamentais podem melhorar muito no que diz respeito à incorporação / incentivo de métodos de construção verde. Outro ponto fundamental é o custo da mão de obra e a oferta limitada de operários treinados para utilizar técnicas naturais de construção como taipa, pau a pique, chão de terra. O suprimento insuficiente de materiais ecológicos também se torna um obstáculo se você estiver em locais remotos com pouco acesso aos materiais locais, por exemplo. Acredito que no Brasil os obstáculos são diferentes.

7 – Quais métodos construtivos estão mais presentes na sua obra? E com qual você mais gosta de trabalhar e por quê?

Já trabalhei com taipa de pilão com socador pneumático, chão de terra artesanal, mas o mais comum acaba sendo as construções de madeira devido aos obstáculos citados anteriormente. Gosto de analisar qual método é mais adequado para o local específico, se ele tem materiais acessíveis no solo para serem usados ​​como solo ou pedras etc. Gosto de trabalhar com materiais naturais como a terra, pois se alinha com os valores que eu tente incorporar no meu trabalho e então o método de construção irá variar de acordo com o que se deseja alcançar naquele projeto. Gosto da taipa porque é autoportante, não precisa ser pintada, proporciona uma parede que “respira” além de trazer uma textura linda ao ambiente, mas como falei nem sempre será a melhor técnica para um determinado projeto / local / cliente.

8 – Na sua opinião, após a pandemia da COVID-19, aumentou a demanda por construções em maior equilíbrio com o meio ambiente? Como tem sido para você?

Sim, acredito que em geral as pessoas estão começando a refletir sobre suas escolhas, sobre suas necessidades e principalmente sobre o que não precisam, o que conseqüentemente pode refletir em escolhas que têm menos impacto no meio ambiente, menos consumismo, menos produção do novo e coisas inúteis. Mais opções de produtos naturais com menos impacto ambiental disponíveis no mercado estão chegando ao consumidor e sinto que eles (clientes) vêm nos procurando mais abertos para ouvir as opções.

9 – Quais são suas maiores referências profissionais na Austrália? E no mundo?

Na Austrália, admiro o trabalho de Richard Lepastrier e a forma como ele aborda e incorpora arte, natureza, filosofia em seu contexto arquitetônico, também admiro a ousadia e criatividade de Peter Stutchbury. Eu realmente aprecio o trabalho dos Herbst Architects na Nova Zelândia e em termos de “Sustentabilidade”, valores e visões eu realmente aprecio o trabalho da alemã Anna Herigen e um arquiteto da minha cidade no Brasil (São José dos Campos), Ricardo Piva, pelo seu compromisso com as questões ambientais e com o ser humano.

10 – Quais são os planos profissionais para o futuro? Algum projeto interessante a caminho?

Recentemente, eu e duas colegas que admiro muito e partilham os mesmos valores e visões sobre design e construções ecológicas , criamos um novo estúdio, um coletivo denominado ‘Make Hearth‘, uma colaboração que abrange desde o processo de projeto inicial até a construção final. Oferece consultoria sobre como tornar seu projeto mais “saudável” e ecológico / sustentável, além da construção de pequenos elementos com terra como fornos, chão de terra, acabamentos onde colocaremos a “mão na massa” e também abordaremos a parte educacional com workshops e colaborações com empresas de construção locais. O plano para o futuro é que este coletivo se expanda para o trabalho social com as comunidades locais e internacionais (talvez Brasil? Rsrs!) Para levar mensagens que ajudem clientes, construtores, comunidades a fazerem escolhas mais responsáveis ​​e conscientes na hora de projetar, construir e ocupar os espaços. ♥

Quartos sem porta integrados com banheiro na “Residência em Taipa”. Fonte: Galeria da arquiteta. Imagem por: Michael Nicholson.

Você pode encontrar mais informações sobre os projetos de Thais Pupio disponíveis em: https://www.thaispupio.com/projects.

* Todas as imagens deste post foram cedidas gentilmente por Thais Pupio.

Fontes importantes:

https://www.thaispupio.com/projects

https://www.stirworld.com/see-features-thais-pupio-uses-rammed-earth-to-design-a-dwelling-in-byron-bay-australia

https://www.ozetecture.org/richard-leplastrier-projects

http://www.peterstutchbury.com.au/all-projects.html

http://www.peterstutchbury.com.au/all-projects.html

https://herbstarchitects.co.nz/projects/

https://www.annaheringer.com/vision/

https://www.ricardopivaarquitetura.com.br/projetos

https://pt.wikipedia.org/wiki/Permacultura#:~:text=Permacultura%20%C3%A9%20a%20utiliza%C3%A7%C3%A3o%20de,sentido%20de%20um%20futuro%20sustent%C3%A1vel.

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Comments

  • Deborah Braga

    29 de dezembro de 2020 at 00:41
    Reply

    Adorei a entrevista! O trabalho da Thais é lindo.

    • Nathalia Braga
      to Deborah Braga

      6 de janeiro de 2021 at 02:34
      Reply

      Fico muito feliz que tenha gostado! Gratidao :)

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